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Regulamentação das Bets Esportivas e os Desafios da Proteção Social4 min read

As apostas esportivas, popularmente chamadas de “bets”, começaram a ganhar espaço no Brasil em 2018, quando a Lei nº 13.756/2018 autorizou a modalidade de apostas de quota fixa. Naquele momento, o mercado foi aberto sem que houvesse regulamentação detalhada, o que gerou um crescimento desordenado de plataformas nacionais e estrangeiras. Empresas se instalaram no país sem fiscalização adequada, explorando um público cada vez mais amplo e deixando evidente a vulnerabilidade dos consumidores.

Somente com a edição da chamada “Lei das Bets”, em 2023, o cenário começou a se organizar. A norma estabeleceu critérios para a concessão de autorizações, exigindo requisitos técnicos, financeiros e de integridade. Também tratou da publicidade, impondo limites claros. Artistas, influenciadores e veículos de comunicação só podem divulgar casas de apostas devidamente credenciadas, sendo obrigados a incluir advertências sobre os riscos do jogo. A lei proíbe, por exemplo, anúncios dirigidos a menores e propagandas que associem apostas a promessa de enriquecimento rápido.

Ainda assim, o contraste é evidente. Centenas de sites continuam operando sem registro, enquanto apenas uma parte do mercado obteve autorização formal. O resultado é um ambiente em que a regulamentação avança, mas a fiscalização não acompanha o ritmo. A arrecadação de tributos interessa ao Estado, porém a proteção do consumidor ainda não alcança o mesmo nível de prioridade.

Outro debate envolve a competência legislativa. A União concentrou para si a prerrogativa de regulamentar e fiscalizar as , mas discute-se se os estados e municípios poderiam editar regras complementares, especialmente sobre publicidade e prevenção ao vício. A Constituição prevê competência concorrente em matéria de consumo e saúde pública, o que pode abrir espaço para normas locais mais restritivas. A questão permanece em aberto e tende a ser judicializada.

Há também o dilema sobre a natureza da atividade. Devem as bets ser encaradas como forma de ganhar dinheiro ou apenas como entretenimento? A prática mostra que muitos jogadores, sobretudo das camadas mais pobres, depositam no jogo a expectativa de mudança financeira. Esse comportamento agrava a vulnerabilidade social, pois os recursos apostados poderiam estar voltados para necessidades básicas. O discurso oficial, de que se trata apenas de lazer, não corresponde ao impacto real nas comunidades mais fragilizadas.

Nesse contexto, é essencial diferenciar a aposta eventual da prática excessiva. O jogo responsável pode ser entendido como uma forma de lazer, mas quando extrapola limites transforma-se em vício, reconhecido como transtorno pela Organização Mundial da Saúde. A lei exige a exibição de mensagens de alerta e mecanismos de verificação de idade, mas é preciso perguntar se essas medidas são suficientes. O simples aviso “jogue com responsabilidade” não impede que milhares de pessoas comprometam seu orçamento mensal em busca de ganhos improváveis.

A legislação prevê ainda recursos como o cadastro obrigatório, a possibilidade de autoexclusão e auditorias técnicas. Contudo, essas ferramentas só têm eficácia se houver fiscalização efetiva e campanhas educativas. Seria recomendável avançar em medidas mais rígidas, como limites automáticos de depósitos, bloqueio de crédito para inadimplentes e acompanhamento psicológico oferecido pelas próprias plataformas. É nesse ponto que se percebe a lacuna entre a norma e a realidade: as empresas estão prontas para explorar o entretenimento, mas menos empenhadas em investir em proteção social.

O debate sobre as bets, portanto, não se limita à arrecadação tributária. Está em jogo a proteção do consumidor e a responsabilidade do Estado em garantir que uma atividade de risco não se converta em problema de saúde pública. Se de um lado a regulamentação representa avanço, de outro ainda é insuficiente para enfrentar o problema da ludopatia e das consequências econômicas que recaem sobre os mais vulneráveis.

Mais do que reconhecer as apostas como realidade do mercado, o Brasil precisa decidir se tratará o tema com foco apenas na receita ou se adotará uma postura de cuidado social. A resposta a essa pergunta definirá se as bets serão vistas como um lazer controlado ou como um vício que agrava desigualdades e fragiliza famílias inteiras.

 

Dr. Raphael L. Gonçalves Barbosa

Cargo: Advogado
OAB: 381.723
Atuação: Cível – Imobiliário – Tributária

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