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Abandono Afetivo: A Nova Lei e o Dever de Cuidar sob a Ótica da Justiça4 min read

A recente promulgação da Lei nº 15.240/2025, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), trouxe um novo e importante capítulo para o Direito de Família no Brasil. A nova legislação estabelece de forma explícita o abandono afetivo como um ilícito civil, consolidando o entendimento de que o dever parental vai muito além da assistência material, abrangendo também o cuidado, a presença e a assistência emocional.

Este artigo analisa o que muda com a nova lei e como o Poder Judiciário, especialmente o Superior Tribunal de Justiça (STJ), já vinha tratando a matéria.

O Cenário Jurisprudencial Antes da Nova Lei

Embora a Lei 15.240/2025 seja uma novidade, a discussão sobre a responsabilidade civil por abandono afetivo não é. Há anos, os tribunais brasileiros debatem a possibilidade de condenar pais e mães a indenizar seus filhos pela ausência de afeto e cuidado.

Superior Tribunal de Justiça (STJ), em diversas ocasiões, já havia firmado o entendimento de que, em situações excepcionais, o abandono afetivo pode, sim, gerar o dever de indenizar. Para tanto, a jurisprudência estabeleceu a necessidade de comprovação de três elementos essenciais da responsabilidade civil:

  1. A Conduta Ilícita: A omissão ou ação do genitor que viole o dever de cuidado.
  2. O Dano: Um prejuízo psicológico ou moral concreto sofrido pelo filho.
  3. O Nexo de Causalidade: A ligação direta entre a conduta do pai ou da mãe e o dano sofrido.

O dever de cuidado, nesse contexto, é compreendido como uma obrigação jurídica que engloba a convivência, a assistência psíquica e o desenvolvimento saudável da personalidade do filho. Como bem destacado pelo STJ, “amar é uma possibilidade; cuidar é uma obrigação civil” (TJ-DF — 20160610153899 DF 0015096-12.2016.8.07.0006).

 

O Que Muda com a Lei 15.240/2025?

A principal inovação da Lei 15.240/2025 é a positivação do abandono afetivo como um ato ilícito no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa alteração legislativa confere maior segurança jurídica e um fundamento legal explícito para as ações de indenização.

Se antes a discussão se baseava na aplicação geral dos artigos 186 e 927 do Código Civil, agora há uma norma específica que reconhece a falta de assistência emocional como uma conduta passível de reparação de danos. Isso fortalece a posição da vítima e simplifica a fundamentação jurídica das petições iniciais.

Como Comprovar o Abandono Afetivo na Prática?

A nova lei não isenta a parte autora de provar os fatos constitutivos de seu direito. Com base na jurisprudência consolidada e na nova legislação, para obter sucesso em uma ação de indenização por abandono afetivo, é crucial demonstrar:

  • A Omissão Culpável: Provar que o genitor, de forma deliberada e injustificada, se ausentou da vida do filho, negando-lhe o convívio e o amparo emocional. O mero distanciamento geográfico ou dificuldades de relacionamento com o outro genitor, por si sós, podem não ser suficientes se não houver uma quebra do dever de cuidado.
  • O Dano Psicológico: A comprovação do dano é um dos pontos mais sensíveis. Laudos psicossociais, relatórios de psicoterapia e outras provas periciais são fundamentais para atestar que a conduta parental causou traumas, ansiedade, depressão ou outros prejuízos à formação psicológica do indivíduo.
  • O Nexo Causal: É indispensável conectar a omissão do genitor ao dano sofrido. A prova deve deixar claro que o sofrimento psicológico do filho é uma consequência direta do abandono parental.

Conclusão

Lei 15.240/2025 representa um avanço civilizatório, alinhando a legislação brasileira à crescente conscientização sobre a importância da saúde mental e do bem-estar emocional de crianças e adolescentes. Ela solidifica um entendimento que o Judiciário já vinha construindo: a paternidade e a maternidade são responsabilidades que transcendem o suporte financeiro.

Para os profissionais do direito, a nova lei é uma ferramenta poderosa para a defesa dos direitos da personalidade de crianças e adolescentes, reforçando que o dever de cuidado é um pilar essencial da dignidade humana.

Dra. Érica Joslin de Lima

Cargo: Advogada

OAB: 244.869

Atuação: Cível – Compliance – Contratos – Empresarial – Holding – Planejamento Sucessório – Sucessões – Tributária

 

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