Nos últimos anos, a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) passou por profundas alterações que mudaram a forma como as empresas devem estruturar sua gestão em segurança e saúde no trabalho. Se antes a NR-1 era vista como uma norma introdutória e meramente formal, hoje ela assume papel estratégico dentro do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e da própria cultura organizacional. O objetivo é simples, mas desafiador: garantir ambientes mais seguros e conformes, reduzindo acidentes e fortalecendo a prevenção.
A consolidação do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) se tornou eixo central da norma. Com isso, as organizações passaram a ser obrigadas a identificar, avaliar e controlar riscos de forma sistemática, independentemente do porte ou setor de atuação. O antigo Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) deu lugar ao Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), instrumento mais completo, que exige atualização contínua e integração com demais NRs, como a NR-7 (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional) e a NR-9 (Agentes Ambientais). Não se trata mais de cumprir tabela, mas de implementar processos dinâmicos, alinhados à realidade da empresa.
A grande mudança na NR-1 foi a inclusão dos riscos psicossociais no ambiente de trabalho. Essa alteração foi feita através da Portaria 1.419/2024, que entrou em vigor em 26 de maio de 2025. A portaria alterou a NR-1 para dar ênfase à obrigação de gerenciar especificamente os fatores de riscos psicossociais. Essa novidade veio em um momento em que o Ministério da Saúde atualizou sua lista de doenças relacionadas ao ambiente de trabalho, incluindo uma lista específica para tratar de riscos psicossociais.
Hoje, a NR-1 não se limita a tratar de máquinas, agentes químicos ou ruídos, mas abrange também pressões organizacionais, jornadas extenuantes, assédio, sobrecarga e estresse ocupacional. Para enfrentar os riscos psicossociais, a NR-1 mapeia os perigos organizacionais que podem levar a doenças. A síndrome de Burnout, por exemplo, é uma consequência clínica desses fatores. As empresas devem monitorar continuamente esses riscos no PGR. A consultoria jurídica preventiva se torna uma ferramenta essencial para garantir a conformidade com as novas diretrizes e reduzir riscos de autuações e processos. A fiscalização e autuação por parte da Inspeção do Trabalho começarão a partir de maio de 2026, com foco na promoção da saúde mental no ambiente de trabalho.
A saúde mental no ambiente de trabalho se tornou um problema sério, com o aumento de afastamentos por transtornos mentais. Em 2024, houve um crescimento de 68% no número de afastamentos, com mais de 470 mil casos. Esse aumento de doenças ocupacionais tem um impacto direto no Fator Acidentário de Prevenção (FAP) e pode aumentar a contribuição previdenciária das empresas. Além disso, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e a Advocacia-Geral da União (AGU) firmaram um convênio para que o INSS possa entrar com uma ação regressiva contra empresas quando há acidentes ou doenças de trabalho causados por dolo ou culpa do empregador.
Mais do que obrigação legal, essa nova abordagem revela uma mudança cultural. O bem-estar no ambiente de trabalho, especialmente a saúde mental, tornou-se elemento essencial para a produtividade e a competitividade empresarial. Empresas que estruturam políticas de cuidado, como programas de apoio psicológico, pausas regulares, flexibilização de jornada e canais de escuta, registram menos afastamentos, maior engajamento dos colaboradores e melhor clima organizacional. O que antes era visto como custo, agora se apresenta como investimento em sustentabilidade empresarial.
Outro ponto sensível é a obrigatoriedade do inventário de riscos e do plano de ação, que devem ser elaborados e mantidos atualizados. Esses documentos servem como espelho da realidade da organização e como guia para a gestão preventiva. Na prática, isso exige maior envolvimento de gestores, técnicos de segurança e até de lideranças operacionais, pois os riscos devem ser monitorados constantemente. A lógica é que prevenção não se resume a relatórios — é uma prática contínua e estratégica.
Além disso, a nova NR-1 trouxe um olhar especial para a capacitação e treinamento. Agora, a norma permite a realização de treinamentos presenciais, semipresenciais e até totalmente online, desde que atendam a requisitos mínimos de conteúdo, carga horária e registro. Essa flexibilização facilita a adequação das empresas, ao mesmo tempo em que amplia o alcance da informação para trabalhadores em diferentes regiões e turnos. Mais do que cumprir formalidades, o foco é garantir que o trabalhador receba orientações práticas para atuar com segurança.
Outro destaque é a previsão do princípio da responsabilidade compartilhada. Embora a obrigação principal de garantir um ambiente seguro continue sendo do empregador, o trabalhador também passa a ter deveres expressos, como cumprir procedimentos, participar de treinamentos e comunicar situações de risco. Esse movimento reforça a ideia de que a prevenção é construída em conjunto e que a segurança depende da atuação de todos os envolvidos.
Do ponto de vista jurídico, o descumprimento das novas diretrizes pode gerar sérios passivos trabalhistas e até criminais. Fiscalizações estão cada vez mais atentas ao PGR e ao inventário de riscos, e não são raros os autos de infração contra empresas que mantêm documentos desatualizados ou inconsistentes. Nesse cenário, a consultoria jurídica preventiva é ferramenta essencial: garante conformidade, reduz riscos de autuações e oferece segurança para que gestores foquem em produtividade sem abrir mão da proteção ao trabalhador.
Em resumo, a NR-1 deixou de ser apenas uma “porta de entrada” das normas regulamentadoras. Hoje, ela é o alicerce da gestão de segurança e saúde, conectando legislação, boas práticas e inovação. Empresas que entendem esse movimento e se adaptam de forma proativa não apenas evitam multas e processos, mas também ganham em eficiência, clima organizacional e reputação no mercado. A prevenção, antes vista como custo, agora se revela investimento estratégico.
Dra. Érica Joslin de Lima
Cargo: Advogada
OAB: 244.869
Atuação: Cível – Compliance – Contratos – Empresarial – Holding – Planejamento Sucessório – Sucessões – Tributária
Luiz Henrique Araújo G. Gasparino
Cargo: Estagiário
Fonte:
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria SEPRT nº 6.730, de 9 de março de 2020. Aprova a nova redação da NR-1. Disponível em:https://www.gov.br/trabalho-e-emprego.
Ministério do Trabalho e Emprego. Norma Regulamentadora nº 9 — Avaliação e Controle de Exposições Ocupacionais. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego.