A evolução das tecnologias da informação e da economia digital impõe novos desafios à dogmática jurídico-tributária. A tributabilidade dos bens e serviços digitais demanda uma revisão conceitual dos institutos tradicionais, como “mercadoria”, “serviço de qualquer natureza”, “comunicação” e “livro”, exigindo do aplicador do Direito uma abordagem sistemática, teleológica e coerente com a Constituição.
1. BASE CONSTITUCIONAL DA TRIBUTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO
O serviço de comunicação é tributado pelo ICMS, nos termos do art. 155, II, da CF/88. Trata-se de competência estadual, compreendendo a prestação onerosa de serviços de telecomunicação, excluídos os serviços de valor adicionado, nos termos da Lei Geral de Telecomunicações (LGT – Lei 9.472/1997).
A Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir) regulamenta o imposto, destacando em seu art. 2º, III, a incidência do ICMS sobre “prestações onerosas de serviço de comunicação por qualquer meio, inclusive a geração, emissão, recepção, transmissão, retransmissão, repetição e ampliação de comunicação de qualquer natureza”.
2. STREAMING: CONTEÚDO, TRIBUTAÇÃO E O TEMA 1.130 DO STF
Com o crescimento das plataformas de streaming, surgiram controvérsias sobre a natureza da prestação: trata-se de comunicação (ICMS) ou de serviço (ISS)?
A jurisprudência do STF, no julgamento do Tema 1.130, pacificou que os serviços de streaming on demand (como Netflix e Spotify) não se enquadram como serviços de comunicação, mas sim como serviços de valor adicionado ou conteúdo sob demanda, sujeitando-se ao ISS, conforme item 1.09 da Lista de Serviços anexa à LC 116/2003 (“fornecimento, sem cessão definitiva, de conteúdo de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet”).
As ADIs 5958, 5959 e 5961, que questionavam leis estaduais que impunham ICMS ao streaming, foram julgadas procedentes, consolidando a competência municipal para tributar o setor.
Essa jurisprudência está em sintonia com doutrinadores como Luciano Amaro, que observa que o ICMS-Comunicação incide apenas quando há transmissão de sinais, e Hugo de Brito Machado, que enfatiza que o ICMS exige a transmissão “em tempo real” da comunicação entre emissores e receptores.
3. SOFTWARE: ICMS OU ISS?
O STF, nas ADIs 1945 e 5659, modificou entendimento anterior e firmou a seguinte tese: incide o ISS sobre o licenciamento ou cessão de direito de uso de softwares, ainda que padronizados. O entendimento anterior, que autorizava o ICMS na aquisição de software de prateleira, foi superado.
A Corte entendeu que todo e qualquer software é um serviço intelectual, protegido por direito autoral e não pode ser considerado mercadoria. Assim, a sua tributação está compreendida na Lista de Serviços (item 1.05 da LC 116/2003).
Roque Carrazza e Ives Gandra Martins, dentre outros, defendem essa interpretação como a única compatível com o princípio da legalidade estrita, observando que a prestação de serviço de software envolve obrigação de fazer, e não de dar, afastando a natureza mercantil.
4. IMUNIDADE DE LIVROS DIGITAIS E SUPORTES ELETRÔNICOS
No RE 330.817/RJ, o STF adotou interpretação ampliativa da imunidade prevista no art. 150, VI, “d”, da CF/88, estendendo-a aos livros, jornais e periódicos em formato digital, bem como aos dispositivos eletrônicos que tenham por finalidade exclusiva a leitura desses materiais, como os e-readers.
Essa interpretação foi reafirmada no julgamento da ADI 5639, ao se reconhecer que a imunidade tributária objetiva visa à promoção da cultura e da educação, sendo incompatível com restrições baseadas em suporte físico ou tecnológico.
A tese firmada foi no sentido de que é inconstitucional a incidência de impostos sobre livros eletrônicos, leitores de livros digitais e congênere, desde que preencham a função precípua de suporte de leitura.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A jurisprudência atual caminha para uma sistematização coerente com a realidade digital, conferindo segurança jurídica e respeito à repartição constitucional de competências. A distinção entre comunicação e serviço de conteúdo, entre mercadoria e prestação intelectual, bem como a interpretação teleológica da imunidade cultural, revelam um novo paradigma tributário para a era digital.
O juntamento do Tema 1.130 às ADIs 5958, 5959 e 5961 demonstra o amadurecimento da Corte ao tratar de forma unificada questões tributárias complexas e interligadas, promovendo uniformidade e previsibilidade normativa.
Cabe ao operador do Direito conhecer essas transformações e orientar seus clientes com estratégia e fundamento, em um cenário onde inovação, tecnologia e tributação estão cada vez mais interligados.